terça-feira, 21 de março de 2017

Recensão Critica: Novos Dilemas, Velhas Soluções? A complexa relação entre Governos Partidários e a Administração Pública

RECENSÃO CRÍTICA

Por: José Veloso da Costa

2015


INTRODUÇÃO
No âmbito da avaliação da unidade curricular de Temas Avançados de Gestão Pública no Mestrado de Gestão e Politicas Públicas, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, elaboraremos a análise crítica ao artigo Novos Dilemas, Velhas Soluções? A complexa relação entre governos partidários e administração pública, extraído da obra Handbook em Administração Pública, César Madureira e Maria Asensio, Lisboa: INA Editora, 2013. 

Os autores fazem uma abordagem sobre a Nova Gestão Pública (New Public Management) primeiramente analisando a relação partidos políticos e os administradores/gestores públicos, o uso das nomeações para cargos públicos como forma de manutenção do poder político. E as consequências, vantagens e desvantagens da delegação e descentralização na implementação das políticas públicas.

Na segunda parte, os autores nos brindam com uma análise histórica sobre a patronagem em Portugal, desde a sua origem ao contexto actual.

Na terceira e última parte, os autores chamam atenção aos riscos da Patronagem em Portugal e as eventuais consequências não só para a eficácia da Administração Pública, mas também a Democracia em si.

O artigo foi escrito por Carlos Jalali, politólogo, licenciado pela Universidade de Oxford, Mestrado na Universidade de Londres e doutorado pela Universidade de Oxford. Professor e Coordenador do Mestrado em Ciência Política da Universidade de Aveiro. Coordena o projecto de investigação Patronagem Política em Portugal, assim como por Patrícia Silva membro do Departamento de Ciências Sociais, Politicas e Territoriais da Universidade do Aveiro.

O trabalho está dividido em três partes, nomeadamente o resumo do artigo, posteriormente vem a parte crítica e finalmente a Bibliografia.

I - Resumo
1.1 Objetivos declarados pelo autor.

O enfoque da abordagem dos autores tem a ver com o papel dos partidos políticos nos processos democráticos actuais, destacando o papel dos mesmos na formação ou indicação de membros para o Governos e, finalmente, desse para Administração Pública, exemplificado na frase “Os partidos políticos são o veículo organizacional, através do qual este processo de delegação ocorre nas democracias contemporâneas.”

Carlos Jalali e Patrícia Silva criticam a Patronagem[1] é entendida pelos autores como as nomeações para a cúpula da estrutura administrativa pelos partidos do governo. Bem como as consequências desta nos processos de delegação de competências e downsizing na Administração Pública.

Importa referir que a Patronagem também conhecida por Job for the boys ou Spoils System[2] vigorava no séc. XIX onde geralmente os funcionários eram admitidos usando critérios de nepotismo e até existiam casos de compra de cargos públicos. De acordo com Rocha (2014), esse sistema gerava ineficiência e corrupção e oportunismo, daí que surgiu a necessidade de reformas administrativas iniciadas na Inglaterra em 1854 com o Northcope Trevelyan Report e nos EUA em 1883 com o Pendleton Act que davam primazia as competências dos funcionários.

Para o caso português, os autores denotam uma preocupação com a qualidade da relação Partidos do Governo e Administração Pública, minada por mecanismos de influência e de controlo do poder, em detrimento da implementação de princípios de delegação, descentralização e democratização da própria Administração em si que caracterizam a Nova Gestão Pública.

1.2 Importância do assunto abordado.
O tema se afigura pertinente na medida em que a discussão sobre a separação entre Governo e a Administração Publica datam de 1854 no Reino Unido e de 1883 nos Estados Unidos da América, porém sem consenso. Os autores chamam a atenção sobre a dicotomia Políticos vs Administração, revelando que se regista uma “asfixia” dos processos de Descentralização, Desconcentração, delegação de competências imprescindíveis para maior eficácia e criação de valor na Administração Pública, porquanto os partidos no Governo tendem a eleger o controlo, recompensa e o aumento do poder, não só para a sua manutenção, como também para alegadamente minimizarem os riscos de interferência na implementação das políticas publicas preconizadas.

1.3 Ideia principal e fio condutor do artigo.
A ideia principal dos autores se resume numa crítica aos Governos Partidários e a implicação da Patronagem no contexto dos princípios da Nova Gestão Pública, assim como na influência negativa na qualidade da Democracia.

1.4. Metodologia utilizada e dados da bibliografia do artigo.

Os autores revêm a literatura e autores sobre governos partidários, Patronagem, descentralização, desconcentração e discutem o impacto do processo de agencificação e da intensificação da delegação de competências no controlo partidário do governo.

2. Critica
a. Pontos fortes do argumento apresentado pelo autor.

Os autores iniciam a abordagem sobre os governos partidários, tocando na relevância dos mesmos nas decisões políticas e a administração pública, citando Rose (1969) que atesta que a capacidade dos partidos de traduzir a incumbência no operacional do Governo, implica, entre outros, a coordenação e controlo das estruturas da administração pública.

 Ainda se destaca a relação entre a Patronagem associada mais a recompensas por lealdades partidárias do que um instrumento de controlo do processo decisório. Logo, concordam que o processo decisório envolve tanto os políticos como a administração pública, sem implicar um servilismo unidirecional, conforme defendido por Aberbach et al (1981).

Reconhecem os desafios que os partidos actualmente enfrentam, nomeadamente a crescente complexidade de governação e a necessidade de uma maior delegação e influência da administração pública nos problemas decisórios.

Os autores apontam dois elementos que constituem um obstáculo ao controlo partidário do processo decisório:

1-    Defendido por Peters & Pierre (2004) que advogam que a relação hierárquica entre o governo e a administração directa do Estado é envolta em fortes controlos administrativos, que limitam a liberdade da gestão pública.

2-    E a defendida por Burnham (2001), segundo a qual os partidos têm optado por aprofundar as redes de delegação e têm vindo a alargar a “política de despolitização”.

A agencificacão e sua importância no âmbito das reformas da Nova Gestão Pública no âmbito da delegação, descentralização, desconcentração e criação de Institutos Públicos.

Os tipos de Patronagem nas atuais democracias, apresentadas por Muller (2006) nomeadamente “A Patronagem de Serviço” (service patronage) e a “Patronagem de Poder” (power patronage). Bem como as críticas de vários autores as duas nuances e as novas tendências.

A história política de em Portugal está intrinsecamente ligada a Patronagem, pelo que os autores nos elucidam sobre as premissas e as motivações dos partidos para enveredarem e manterem as formas de patronagem e consequente controlo da Administração Pública, aumentar a popularidade do Executivo, garantir a materialização das Políticas Públicas e dos programas do Governo.

O Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da Administração Pública[3].

De acordo com o Bilhim (2013), o Governo é o principal órgão permanente e directivo do Estado com carácter administrativo e mais importante da administração central do Estado.
                  
A consequência da Patronagem seria o aumento do desinteresse e o distanciamento dos cidadãos em relação aos partidos políticos devido a quebra da confiança e, ao mesmo tempo, a redução do potencial dos partidos para a mobilização do eleitorado, o que pode ser uma ameaça para a qualidade da democracia, na medida em que esta depende da participação dos cidadãos.

Os dados sobre a multiplicação de Institutos Públicos em Portugal de 22 entre 1974-1980 para 440 em 2002, revelam o sucesso das reformas na Administração Pública, apesar de não descartar o controlo partidário dessas nomeações, reforçados pelo art. 4º do Decreto-Lei nº 105/2007.

Podemos resumir a discussão sobre a Governo e a Administração Pública com o quadro seguinte:

Tabela 1 Diferença entre Políticos e Técnicos

Governo (Políticos)

Administração Pública (técnicos)
“Expressão da vontade Popular”
“Execução da Soberania Popular
 (Ao serviço de um governo)”
Os agentes são Políticos
Os Agentes são funcionários Públicos
Faz uso de sua popularidade
Emprega a sua competência e habilidade
A Pessoa se torna Política através do Processo eleitoral
O individuo se torna funcionário público mediante selecção pública
Não há formação específica para os líderes políticos
Funcionários Públicos são profissionais com uma exigência minima de formação
Fonte: A Dicotomia entre a Administração e Politica (2014)


b. Pontos fracos do argumento e aspectos menos conseguidos.

Segundo Moreira, os Partidos Políticos são associações sociais que lutam pela aquisição, manutenção e exercício do poder (2003, p171). Logo, a sua natureza está virada a conquista, influência e manutenção do poder, então se torna um tanto quanto justificável as estratégias de Patronagem engendradas pelos mesmos nas democracias modernas, razão pela qual as direcções dos mesmos tendem a nomear para cargos-chave na administração pessoas que assegurem a obtenção de votos visando a sua reeleição.

Assim, se torna imprescindível que sejam escolhidos, por conveniência política, pessoas que assegurem a priori uma agenda partidária, por vezes em detrimento da implementação racional e rigoroso das políticas públicas no respectivo mandato. Não se concebe um partido político que após alcançar o poder, descure desse princípio a si inerente.

Contudo, o que se deveria exigir para os casos das nomeações a cargos da Administração Pública, seria um perfil de tecnocratas ou pessoas habilitadas para desempenhar as funções que exigem competências técnicas e especificas, por formas a garantir o sucesso das políticas públicas, o respeito pela ética, o cumprimento da lei e que se mantenha o cidadão no centro das políticas.

A filosofia de “acomodação das elites” ou de militantes destacados, sem o perfil adequado, em cargos da Administração Pública é condenável. Esse tipo de Patronagem põe em causa a qualidade dos outputs, outcomes das políticas públicas, a eficiência e eficácia da administração ou gestão pública e desmotiva os eleitores e os cidadãos em geral, que perdem a confiança nos partidos. Podemos até dizer que é uma das várias causas da abstenção.

A Patronagem apesar de estar a ser identificada como uma tendência, tendo em conta os casos da Holanda, Franca e Reino Unido, ainda assim pode ser vista como forma de conter ou evitar eventuais casos de indisciplina partidária, devido em parte a falta de commitment[4] entre os políticos e técnicos da Administração Pública e uma forma de encobrir “desvios” aos objectivos delineados, propiciando a casos de tráfico de influência e corrupção.

Por se tratar de Estados de Direito e Democráticos, urge a criação de mecanismos legais de controlo e regulação dessa prática que se afigura preocupante e pode fazer claudicar os principais objectivos da Nova Gestão Pública, podemos citar por exemplo, no caso de Portugal, o despacho nº 5552/2014 que criou a Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública - CRESAP, regido pelo Regulamento de Tramitação dos Procedimentos de Recrutamento e Selecção dos Cargos de Direcção Superior na Administração Pública, cuja missão se traduz no Recrutamento e Selecção a Direcção Superior da Administração Pública, com isenção, rigor e independência, promovendo o bom governo e a meritocracia.

Não concordamos totalmente com a ideia de Woodrow Wilson quando afirma que os políticos eleitos não devem interferir com a Administração Pública, representada por profissionais designados para cargos e funções, nem esta com aqueles (Bilhim 2013).

Não se concebe a um Estado em que haja uma separação total entre os Governos e a Administração Pública. O que nos leva a discordar com Woodrow Wilson que defendia a separação clara entre as actividades dos burocratas e dos políticos, de forma que os políticos decidissem sobre as escolhas das Políticas Públicas e os burocratas apenas as implementassem, como agentes neutros (Olivieiri, 2011).

Por outro lado, com base no modelo webberiano[5], poder-se-ia dar enfâse ao reforço das leis ou instituições baseadas na accountability, evitando a manipulação da Administração Pública, através de monitoramento, auditoria, controlo e sanção aos agentes públicos, com vista a desincentivar quaisquer “arranjos” e desvios decorrentes da Patronagem.

Os autores justificam, em parte, a necessidade da Patronagem, ao citar Strom, a medida que se aprofunda o processo de delegação torna-se mais complexo para os governos controlarem o processo decisório, devido em parte a assimetria de informação entre políticos e a estrutura dirigente, reforçada pelo poder discricionário deste (2000).

De igual modo, o emprego da justificação apresentada por Hill (1997) que argumenta que a complexidade institucional e a fragmentação das actividades do governo, dificultam a coordenação de actividade entre instituições, geram deficits de implementação.  

c. Quais as consequências de se adoptar a linha de pensamento do autor.

A consequência de se adoptar a posição de Patronagem, considerada de emergente pelos autores, seria a imediatamente de retirar a qualidade e a eficácia, amplamente defendida pelos princípios da Nova Gestão Pública, da Gestão e das Politicas Públicas. Destarte, promover-se-ia a ineficiência dos órgãos e a ineficácia dos mecanismos de controlo e de auditoria interna e, mais grave, reduzir-se-ia significativamente a qualidade das democracias e a confiança na Administração Pública.

Apesar de existir uma tendência, em varias democracias, dos políticos se sobreporem aos gestores, administradores e/ou técnicos da Administração Pública, deve haver a tendência de se frear essas iniciativas, em nome da salvaguarda de princípios democráticos fundamentais.

d. Questões a colocar em investigações futuras para complementar o artigo.

Será que a agencificacão e desconcentração de competências não poem em causa princípios constitucionais como a representatividade popular, visto que se transfere as decisões das Politicas Públicas a indivíduos que não são os seus legítimos representantes?

Que garantias terão os cidadãos de que os tecnocratas indicados ou nomeados para Administração Pública serão independentes, verticais e imparciais no seu desempenho e na prossecução do interesse público, visto não serem apolíticos?

Com o fluxo de informação que existe hoje na sociedade e o nível de percepção dos eleitores, a manutenção da Patronagem não poderá aumentar os níveis de absentismo em eleições futuras?


Referências

1.    BILHIM, João, Ciência da Administração, Almedina, Lisboa, 2013.

2.    Constituição da República Portuguesa

3.    MOREIRA, Adriano, 2005, A Ciência Politica, Ed.Almedina, 1ª edição.

4.    OLIVIEIRI, Cecília, Os Controles Políticos sobre a Burocracia, revista de Administração Publica, vol 45, nº5, Rio de Janeiro, Set/Out,.2011.

5.    ROCHA, João A., 2014, Gestão Pública e Modernização Administrativa, INA, Lisboa.





[1] De acordo com o texto a Patronagem remonta do Séc XV, pode ser vista nos textos do infante D. Pedro de Portugal.
[2] News Spoils System é uma prática na qual um partido politico depois de ganhar as eleições atribui os cargos aos seus apoiadores, como retribuição ao apoio dado na eleição e incentivo para continuar a trabalhar pelo partido. Disponível https://pt.wikipedia.org/wiki/Spoils_system
[3] Vide  Artigo 182º da Constituição da Republica Portuguesa.
[4] De acordo com Fábio de Biazzi do Instituto de Psicologia da USP,  o commitment engloba a aceitação de valores e normas da organização pelos indivíduos, seu envolvimento e esforço em favor dos objectivos das empresas(organizações).
[5] A obra webberiana nos permite estabelecer com precisão as características centrais da burocracia moderna, seu papel no Governo democrático contemporâneo e a necessidade do controlo dos políticos sobre a burocracia.

1 comentário:

  1. Bom começo Mano,vamos contribuir com aquilo que sabemos,passar aos outros pois o conhecimento deve ser partilhado.Kandandos

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