RECENSÃO CRÍTICA
Por: José Veloso da Costa
2015
INTRODUÇÃO
No âmbito da avaliação da unidade curricular de Temas
Avançados de Gestão Pública no Mestrado de Gestão e Politicas Públicas, no
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, elaboraremos a análise
crítica ao artigo Novos Dilemas, Velhas
Soluções? A complexa relação entre governos partidários e administração pública,
extraído da obra Handbook em Administração Pública, César Madureira e Maria Asensio, Lisboa: INA Editora, 2013.
Os autores fazem uma abordagem sobre a Nova Gestão
Pública (New Public Management)
primeiramente analisando a relação partidos políticos e os
administradores/gestores públicos, o uso das nomeações para cargos públicos
como forma de manutenção do poder político. E as consequências, vantagens e
desvantagens da delegação e descentralização na implementação das políticas públicas.
Na segunda parte, os autores nos brindam com uma análise
histórica sobre a patronagem em
Portugal, desde a sua origem ao contexto actual.
Na terceira e última parte, os autores chamam atenção aos
riscos da Patronagem em Portugal e as eventuais consequências não só para a
eficácia da Administração Pública, mas também a Democracia em si.
O artigo foi escrito por
Carlos Jalali, politólogo, licenciado pela Universidade de Oxford, Mestrado na
Universidade de Londres e doutorado pela Universidade de Oxford. Professor e Coordenador do Mestrado em Ciência
Política da Universidade de Aveiro. Coordena o projecto de investigação
Patronagem Política em Portugal, assim como por Patrícia Silva membro do Departamento
de Ciências Sociais, Politicas e Territoriais da Universidade do Aveiro.
O trabalho está dividido em
três partes, nomeadamente o resumo do artigo, posteriormente vem a parte crítica
e finalmente a Bibliografia.
I - Resumo
1.1 Objetivos
declarados pelo autor.
O enfoque da abordagem dos autores tem a ver com o papel
dos partidos políticos nos processos democráticos actuais, destacando o papel
dos mesmos na formação ou indicação de membros para o Governos e, finalmente,
desse para Administração Pública, exemplificado na frase “Os partidos políticos são o veículo organizacional, através do qual
este processo de delegação ocorre nas democracias contemporâneas.”
Carlos
Jalali e Patrícia Silva criticam a Patronagem[1] é entendida
pelos autores como as nomeações para a cúpula da estrutura administrativa pelos
partidos do governo. Bem como as consequências desta nos processos de delegação
de competências e downsizing na Administração
Pública.
Importa
referir que a Patronagem também conhecida por Job for the boys ou Spoils System[2] vigorava no séc. XIX onde geralmente os funcionários
eram admitidos usando critérios de nepotismo e até existiam casos de compra de cargos
públicos. De acordo com Rocha (2014), esse sistema gerava ineficiência e
corrupção e oportunismo, daí que surgiu a necessidade de reformas administrativas
iniciadas na Inglaterra em 1854 com o Northcope
Trevelyan Report e nos EUA em 1883 com o Pendleton Act que davam primazia as competências dos funcionários.
Para o caso português, os autores denotam uma preocupação
com a qualidade da relação Partidos do Governo e Administração Pública, minada
por mecanismos de influência e de controlo do poder, em detrimento da implementação
de princípios de delegação, descentralização e democratização da própria Administração
em si que caracterizam a Nova Gestão Pública.
1.2 Importância
do assunto abordado.
O tema se afigura pertinente na medida em que a discussão
sobre a separação entre Governo e a Administração Publica datam de 1854 no
Reino Unido e de 1883 nos Estados Unidos da América, porém sem consenso. Os autores
chamam a atenção sobre a dicotomia Políticos vs Administração, revelando que se
regista uma “asfixia” dos processos de Descentralização,
Desconcentração, delegação de competências imprescindíveis para maior eficácia
e criação de valor na Administração Pública, porquanto os partidos no Governo tendem
a eleger o controlo, recompensa e o aumento do poder, não só para a sua manutenção,
como também para alegadamente minimizarem os riscos de interferência na
implementação das políticas publicas preconizadas.
1.3 Ideia
principal e fio condutor do artigo.
A ideia principal dos autores se resume numa crítica aos
Governos Partidários e a implicação da Patronagem no contexto dos princípios da
Nova Gestão Pública, assim como na influência negativa na qualidade da
Democracia.
1.4. Metodologia
utilizada e dados da bibliografia do artigo.
Os autores
revêm a literatura e autores sobre governos partidários, Patronagem, descentralização,
desconcentração e discutem o impacto do processo de agencificação e da
intensificação da delegação de competências no controlo partidário do governo.
2. Critica
a. Pontos fortes
do argumento apresentado pelo autor.
Os
autores iniciam a abordagem sobre os governos partidários, tocando na
relevância dos mesmos nas decisões políticas e a administração pública, citando
Rose (1969) que atesta que a capacidade dos partidos de traduzir a incumbência
no operacional do Governo, implica, entre outros, a coordenação e controlo das
estruturas da administração pública.
Ainda se destaca a relação entre a Patronagem
associada mais a recompensas por lealdades partidárias do que um instrumento de
controlo do processo decisório. Logo, concordam que o processo decisório
envolve tanto os políticos como a administração pública, sem implicar um
servilismo unidirecional, conforme defendido por Aberbach et al (1981).
Reconhecem
os desafios que os partidos actualmente enfrentam, nomeadamente a crescente complexidade
de governação e a necessidade de uma maior delegação e influência da
administração pública nos problemas decisórios.
Os autores
apontam dois elementos que constituem um obstáculo ao controlo partidário do
processo decisório:
1- Defendido por Peters & Pierre
(2004) que advogam que a relação hierárquica entre o governo e a
administração directa do Estado é envolta em fortes controlos administrativos,
que limitam a liberdade da gestão pública.
2- E a defendida por Burnham (2001),
segundo a qual os partidos têm optado por aprofundar as redes de delegação
e têm vindo a alargar a “política de despolitização”.
A
agencificacão e sua importância no âmbito das reformas da Nova Gestão Pública
no âmbito da delegação, descentralização, desconcentração e criação de
Institutos Públicos.
Os
tipos de Patronagem nas atuais democracias, apresentadas por Muller (2006) nomeadamente
“A Patronagem de Serviço” (service patronage) e a “Patronagem de Poder”
(power patronage). Bem como as críticas de vários autores as duas
nuances e as novas tendências.
A
história política de em Portugal está intrinsecamente ligada a Patronagem, pelo
que os autores nos elucidam sobre as premissas e as motivações dos partidos
para enveredarem e manterem as formas de patronagem e consequente controlo da Administração
Pública, aumentar a popularidade do Executivo, garantir a materialização das Políticas
Públicas e dos programas do Governo.
O Governo é o órgão de condução
da política geral do país e o órgão superior da Administração Pública[3].
De
acordo com o Bilhim (2013), o Governo é o principal órgão permanente e directivo
do Estado com carácter administrativo e mais importante da administração
central do Estado.
A consequência da Patronagem
seria o aumento do desinteresse e o distanciamento dos cidadãos em relação aos
partidos políticos devido a quebra da confiança e, ao mesmo tempo, a redução do
potencial dos partidos para a mobilização do eleitorado, o que pode ser uma
ameaça para a qualidade da democracia, na medida em que esta depende da
participação dos cidadãos.
Os
dados sobre a multiplicação de Institutos Públicos em Portugal de 22 entre
1974-1980 para 440 em 2002, revelam o sucesso das reformas na Administração
Pública, apesar de não descartar o controlo partidário dessas nomeações,
reforçados pelo art. 4º do Decreto-Lei nº 105/2007.
Podemos
resumir a discussão sobre a Governo e a Administração Pública com o quadro
seguinte:
Tabela 1 Diferença entre Políticos e Técnicos
Governo (Políticos)
|
Administração Pública (técnicos)
|
“Expressão da vontade Popular”
|
“Execução da Soberania Popular
(Ao serviço de um governo)”
|
Os agentes são Políticos
|
Os Agentes são funcionários Públicos
|
Faz uso de sua popularidade
|
Emprega a sua competência e
habilidade
|
A Pessoa se torna Política através do
Processo eleitoral
|
O individuo se torna funcionário público
mediante selecção pública
|
Não há formação específica para os líderes
políticos
|
Funcionários Públicos são
profissionais com uma exigência minima de formação
|
Fonte: A Dicotomia entre a Administração
e Politica (2014)
b. Pontos
fracos do argumento e aspectos menos conseguidos.
Segundo
Moreira, os Partidos
Políticos são associações sociais que lutam pela aquisição, manutenção e
exercício do poder (2003, p171). Logo, a sua natureza está virada a conquista, influência e manutenção do
poder, então se torna um tanto quanto justificável as estratégias de Patronagem
engendradas pelos mesmos nas democracias modernas, razão pela qual as direcções
dos mesmos tendem a nomear para cargos-chave na administração pessoas que
assegurem a obtenção de votos visando a sua reeleição.
Assim,
se torna imprescindível que sejam escolhidos, por conveniência política,
pessoas que assegurem a priori uma agenda partidária, por vezes em
detrimento da implementação racional e rigoroso das políticas públicas no respectivo
mandato. Não se concebe um partido político que após alcançar o poder, descure
desse princípio a si inerente.
Contudo,
o que se deveria exigir para os casos das nomeações a cargos da Administração
Pública, seria um perfil de tecnocratas ou pessoas habilitadas para desempenhar
as funções que exigem competências técnicas e especificas, por formas a
garantir o sucesso das políticas públicas, o respeito pela ética, o cumprimento
da lei e que se mantenha o cidadão no centro das políticas.
A
filosofia de “acomodação das elites” ou de militantes destacados, sem o perfil
adequado, em cargos da Administração Pública é condenável. Esse tipo de Patronagem
põe em causa a qualidade dos outputs, outcomes das políticas
públicas, a eficiência e eficácia da administração ou gestão pública e
desmotiva os eleitores e os cidadãos em geral, que perdem a confiança nos
partidos. Podemos até dizer que é uma das várias causas da abstenção.
A Patronagem
apesar de estar a ser identificada como uma tendência, tendo em conta os casos
da Holanda, Franca e Reino Unido, ainda assim pode ser vista como forma de
conter ou evitar eventuais casos de indisciplina partidária, devido em parte a
falta de commitment[4] entre os políticos
e técnicos da Administração Pública e uma forma de encobrir “desvios” aos objectivos
delineados, propiciando a casos de tráfico de influência e corrupção.
Por se tratar de Estados de Direito e Democráticos, urge a criação de
mecanismos legais de controlo e regulação dessa prática que se afigura
preocupante e pode fazer claudicar os principais objectivos da Nova Gestão
Pública, podemos citar por exemplo, no caso de Portugal, o despacho nº 5552/2014 que criou a Comissão de
Recrutamento e Selecção para a Administração Pública - CRESAP, regido
pelo Regulamento de Tramitação
dos Procedimentos de Recrutamento e Selecção dos Cargos de Direcção Superior na
Administração Pública, cuja missão se traduz no Recrutamento e Selecção a Direcção Superior da Administração
Pública, com isenção, rigor e independência, promovendo o bom governo e a
meritocracia.
Não concordamos
totalmente com a ideia de Woodrow Wilson quando afirma que os políticos eleitos
não devem interferir com a Administração Pública, representada por
profissionais designados para cargos e funções, nem esta com aqueles (Bilhim
2013).
Não se concebe a um Estado em que
haja uma separação total entre os Governos e a Administração Pública. O que nos
leva a discordar com Woodrow Wilson que defendia a separação clara entre as actividades
dos burocratas e dos políticos, de forma que os políticos decidissem sobre as
escolhas das Políticas Públicas e os burocratas apenas as implementassem, como
agentes neutros (Olivieiri, 2011).
Por
outro lado, com base no modelo webberiano[5],
poder-se-ia dar enfâse ao reforço das leis ou instituições baseadas na accountability,
evitando a manipulação da Administração Pública, através de monitoramento, auditoria,
controlo e sanção aos agentes públicos, com vista a desincentivar quaisquer
“arranjos” e desvios decorrentes da Patronagem.
Os
autores justificam, em parte, a necessidade da Patronagem, ao citar Strom, a
medida que se aprofunda o processo de delegação torna-se mais complexo para os
governos controlarem o processo decisório, devido em parte a assimetria de
informação entre políticos e a estrutura dirigente, reforçada pelo poder
discricionário deste (2000).
De
igual modo, o emprego da justificação apresentada por Hill (1997) que argumenta
que a complexidade institucional e a fragmentação das actividades do governo,
dificultam a coordenação de actividade entre instituições, geram deficits
de implementação.
c. Quais as consequências de se adoptar a linha de pensamento do autor.
A
consequência de se adoptar a posição de Patronagem, considerada de emergente
pelos autores, seria a imediatamente de retirar a qualidade e a eficácia,
amplamente defendida pelos princípios da Nova Gestão Pública, da Gestão e das Politicas
Públicas. Destarte, promover-se-ia a ineficiência dos órgãos e a ineficácia dos
mecanismos de controlo e de auditoria interna e, mais grave, reduzir-se-ia
significativamente a qualidade das democracias e a confiança na Administração
Pública.
Apesar
de existir uma tendência, em varias democracias, dos políticos se sobreporem
aos gestores, administradores e/ou técnicos da Administração Pública, deve
haver a tendência de se frear essas iniciativas, em nome da salvaguarda de
princípios democráticos fundamentais.
d. Questões
a colocar em investigações futuras para complementar o artigo.
Será
que a agencificacão e desconcentração de competências não poem em causa
princípios constitucionais como a representatividade popular, visto que se transfere
as decisões das Politicas Públicas a indivíduos que não são os seus legítimos
representantes?
Que
garantias terão os cidadãos de que os tecnocratas indicados ou nomeados para Administração
Pública serão independentes, verticais e imparciais no seu desempenho e na
prossecução do interesse público, visto não serem apolíticos?
Com o
fluxo de informação que existe hoje na sociedade e o nível de percepção dos
eleitores, a manutenção da Patronagem não poderá aumentar os níveis de
absentismo em eleições futuras?
Referências
1.
BILHIM,
João, Ciência da Administração, Almedina, Lisboa, 2013.
2. Constituição da República Portuguesa
3. MOREIRA, Adriano, 2005, A Ciência Politica, Ed.Almedina, 1ª edição.
4. OLIVIEIRI, Cecília, Os Controles Políticos
sobre a Burocracia, revista de Administração Publica, vol 45, nº5, Rio de
Janeiro, Set/Out,.2011.
5. ROCHA, João A., 2014, Gestão Pública e
Modernização Administrativa, INA, Lisboa.
[1]
De acordo com o texto a Patronagem remonta do Séc XV, pode ser vista nos textos
do infante D. Pedro de Portugal.
[2]
News Spoils System é uma prática na
qual um partido politico depois de ganhar as eleições atribui os cargos aos
seus apoiadores, como retribuição ao apoio dado na eleição e incentivo para
continuar a trabalhar pelo partido. Disponível
https://pt.wikipedia.org/wiki/Spoils_system
[3]
Vide Artigo 182º da Constituição da Republica
Portuguesa.
[4]
De acordo com Fábio de Biazzi do Instituto de Psicologia da USP, o commitment
engloba a aceitação de valores e normas da organização pelos indivíduos, seu
envolvimento e esforço em favor dos objectivos das empresas(organizações).
[5]
A obra webberiana nos permite estabelecer com precisão as características
centrais da burocracia moderna, seu papel no Governo democrático contemporâneo
e a necessidade do controlo dos políticos sobre a burocracia.
Bom começo Mano,vamos contribuir com aquilo que sabemos,passar aos outros pois o conhecimento deve ser partilhado.Kandandos
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